Na ressaca da vexatória goleada por 7 a 1 para a Alemanha, o torcedor brasileiro anda cabisbaixo por ter que encarar uma realidade bem diferente daquela vivida em 1994, ao fim da Copa do Mundo dos Estados Unidos.
Para melhorar o astral e marcar os 20 anos do Tetra, o Jogo Extra conta a partir deste domingo, numa série de entrevistas, os bastidores da campanha, a começar pelo grande craque daquele Mundial:
ROMÁRIO
Na primeira conversa um pouco mais formal entre comissão técnica e jogadores, o martelo foi batido: aquela seria uma das poucas reuniões da delegação brasileira nos Estados Unidos.
Quatro anos após o fracasso retumbante na Copa da Itália, metade daquele grupo derrotado permanecia na seleção, e um deles, Romário, já tinha voz ativa, como exponencial candidato a melhor do Mundial.
“No futebol tem muito papo furado. A gente já tinha vivido isso em 90. Era reunião três vezes por semana. Dois ou três dias antes do jogo contra a Argentina (a eliminação nas oitavas de final), houve uma até as cinco da manhã para decidir com o Lazaroni se ele ia entrar com três zagueiros ou três atacantes. É f…, né? Como é que o grupo vai dizer pro treinador o que é melhor? Como vai ganhar? Então, na concentração de Los Gatos, fizemos logo uma reunião para acabar com as reuniões”, conta Romário.
Entre os jogadores, porém, a resenha estava garantida. Romário fundou com alguns dos remanescentes de 90 o Clube dos Dinos, do qual faziam parte os experientes “dinossauros” do futebol.
Jogavam baralho e conversa fora, pelo simples prazer de ver o tempo passar mais rapidamente na concentração. Tinham o dom da liderança e não aceitavam intrusos.
“Eu, Taffarel, Branco e Dunga éramos os que mais influenciavam. O resto era o resto. Vejo muita gente falando que foi líder. Gilmar (Rinaldi, goleiro), por exemplo, não foi líder de p… nenhuma. Então, filmou a Copa toda. Vejo dando entrevista dizendo que foi… Não foi nada. Não teve importância nenhuma. Ficou no banco e ajudou pra caramba o Taffarel a treinar”.
A rispidez de Romário é reincidente. E não respeita hierarquia. Já em 94, o chefe da delegação, Mustafá Contursi, então presidente do Palmeiras, tomou uma dura do Baixinho desaforado.
Após deixar duas vezes os jogadores esperando-o no ônibus que seguiria para o treino, o dirigente não foi perdoado no terceiro atraso.
“Vamos embora”, ordenou Romário ao motorista.
Mustafá perdeu o ônibus e, furioso, tentou repreender o grupo horas mais tarde.
“Você não joga, não faz gol, não defende. Você não faz nada. Por que a gente tem que te esperar?”, perguntou Romário.
Mustafá nunca mais se atrasou. Já Romário perdeu a hora numa de suas folgas. Estava encantado por uma moça que conhecera na Casa da Brahma, área criada pelo patrocinador para o encontro de jornalistas e jogadores nas raras horas de lazer.
Levou-a para passear num parque atrás da concentração, para onde deveria voltar às 22h. Minutos antes do toque de recolher, o casal caminhou para o portão de saída, que estava fechado. Sobre o muro, uma cerca elétrica impedia a fuga. Romário se desesperou.
Quando viu um carro da polícia do lado de fora, catou uma pedra e, com a pontaria de artilheiro, arremessou-a na autoridade.
O policial se aproximou, só que Romário não falava inglês. Arranhava espanhol, mas teve sorte: o policial era cubano, riu da situação e chamou alguém para abrir o portão.
“O policial ainda me deu carona até a concentração. Bastava dar uma volta. Cheguei no máximo com 20 minutos de atraso”.
Mesmo sob o risco de virar piada entre os jogadores, Romário não privou ninguém de conhecer sua aventura. Sempre foi de assumir erros e riscos e, talvez por isso, tenha superado a aversão aos pênaltis. Chegou à final da Copa dos EUA, no Rose Bowl, com só duas cobranças no currículo: uma convertida pelo PSV, uma perdida pelo Barcelona.
Após o 0 a 0 com a Itália, não se omitiu quando viu o técnico Carlos Alberto Parreira anotando o nome de quem bateria os pênaltis decisivos.
Jorginho e Zinho, bons cobradores, já tinham sido substituídos.
“Bota aí meu nome, por favor”, pediu.
“Tem certeza?”, surpreendeu-se Parreira, já que nos treinos, enquanto os demais jogadores cobravam pênaltis, o camisa 11 ficava sentado na bola apenas observando.
“Pode botar”, respondeu Romário, como quem parecia prever que converteria.
A bola caprichosamente triscou a trave direita antes de entrar e ser amaldiçoada pelo desesperado goleiro Pagliuca.
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