Desde pedidos para ele próprio não ser investigado até uma solicitação para que não se investigasse o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, passando por outros pedidos emocionados de clemência que resultaram em cenas de choro e até o envio de uma garrafa de cachaça de presente.
Todos esses episódios, alguns mais e outros menos conhecidos, teriam sido protagonizados pelo ex-ministro Henrique Eduardo Alves e estão relatados no controvertido livro que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot acaba de lançar pela editora Planeta do Brasil com o sugestivo título “Nada menos que tudo”.
A obra – que já rendeu ao ex-PGR a suspensão do porte de armas, uma revista em sua residência com a apreensão de computador, telefone celular e a proibição de entrar no recinto do Supremo Tribunal Federal ou se aproximar dos ministros, tudo após ele dizer que entrou armado na Corte para matar Gilmar Mendes e depois se suicidar – está sendo enviada às centenas pelo WhatsApp, num autêntico vazamento de conteúdo digno da Operação Lava Jato.
Em dois trechos do livro de 250 páginas, divididas em 20 capítulos, Rodrigo Janot dedica extenso espaço para Henrique Eduardo, cuja presença já se dá nas primeiras páginas, retomando bem mais adiante, com alguns fatos conhecidos e outros inéditos.
Um encontro de Janot com o então vice-presidente Michel Temer, tendo Henrique ao seu lado e também o então ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, aparece já no primeiro capítulo. Na reunião, que teria acontecido numa varanda do Palácio do Jaburu, em Brasília, residência oficial do vice-presidente da República, Henrique teria pedido pessoalmente para que Janot não investigasse Eduardo Cunha, que acabara de assumir no lugar dele a presidência da Câmara.
“Cunha é um louco, pode reagir de forma imprevisível e colocar o Brasil em risco. Confiamos no senhor como brasileiro e como patriota para manter a estabilidade do país”, teria dito Henrique, segundo o relato de Janot.
Henrique voltou a ser lembrado várias páginas depois, ao tentar, segundo Janot, ficar de fora da lista de investigados do Ministério Público. O ex-PGR relembra acontecimentos conhecidos dos potiguares:
“Ele (Henrique) me pediu uma audiência e eu concordei em recebê-lo. Chegou tenso, com o semblante carregado. Não me lembro das palavras exatas dele nos minutos seguintes. Sei que seguiu o padrão dos demais políticos que me visitavam com propósitos parecidos. Eles não dizem abertamente: ‘Por favor, não me investigue’ ou ‘Por favor, me exclua dessa investigação’. O texto é outro. Em geral, dizem que têm biografia limpa, um nome a zelar e, por isso, não suportariam encarar mulher, filhos e amigos se tivessem que passar pelo constrangimento de uma investigação. A regra também era dizer que as acusações eram vagas, infundadas, frutos de uma vingança ou de um descuido qualquer do delator. O ex-presidente da Câmara (Henrique) seguiu essa linha”.
Num segundo encontro, relata Janot, Henrique foi saber se o então PGR decidiu ou não o investigá-lo. O momento foi descrito assim: “Ali estava o conteúdo da minha decisão. Ele (Henrique) pareceu hesitante em abrir e ler a mensagem. Por fim, quando o fez, baixou a cabeça e começou a chorar. Tentou dizer algo, mas não conseguiu e foi embora. O nome dele estava na lista, mas na dos que teriam o pedido de inquérito arquivado. Era só mais um despacho regular, com base na lei, mas Alves ficou exultante. Alguns dias depois, me mandou uma garrafa de cachaça de presente (…) Não demorou muito para ele descobrir que a cachacinha, a carta e as promessas de amizade sincera não criaram efeito vinculante. No decorrer das investigações, o nome de Henrique Alves surgiu em várias delações.
Numa delas, ele aparece como destinatário de propinas em contas no exterior num esquema do ex-deputado Eduardo Cunha. Por causa das delações, Alves teve que ser afastado do Ministério do Turismo e acabou preso por decisões de Varas Federais do Rio Grande do Norte e de Brasília”.
E, mais adiante, Rodrigo Janot acrescenta, em seu livro:
“Olhando em retrospecto, o caso de Henrique Alves é didático sobre o funcionamento do poder e do alcance de uma investigação da Procuradoria-Geral.
No início de 2015, a presidente Dilma Rousseff tinha deixado o comando do Ministério do Turismo reservado para o ex-deputado. Ele só seria indicado para o cargo se seu nome não estivesse na “lista de Janot”.
Era o que diziam os jornais. Aliado de Temer e Cunha, ele teria obrigado a presidente a esperar o resultado da apuração preliminar do nosso grupo de trabalho para se impor como ministro. Detalhe: na campanha eleitoral, Alves tinha apoiado o senador Aécio Neves, adversário de Dilma. Depois de nomeado ministro, ele perdeu o cargo por causa da investigação sobre contas abastecidas com dinheiro de propina”.