Jornalista e escritora Déa Miranda se encanta com a música de Urbano Medeiros, vejam o texto:
"Há alguns dias, desfrutamos da maravilhosa música de Urbano Medeiros. Ele estava em um programa de TV Internacional, falando sobre improvisação da música instrumental.
Com tranquilidade e segurança, expunha os seus pontos de vista, explicava com conhecimento profundo o que vive no seu dia-a-dia. Falava como se estivesse no aconchego da sala de sua casa, junto aos seus familiares. Para ele tudo isso é simples como respirar...
Não consegui desviar a atenção das suas palavras por nenhum momento. Eu queria aproveitá-las ao máximo e temia que algumas delas se perdessem.
E a sua música, meu Deus, como ele consegue extrair lá do fundo da alma melodias tão divinas? Digo que são divinas sem medo de errar, pois acredito que tudo que é belo vem de Deus.
É um momento de êxtase, de experiência transcendental se envolver com a sua música. Fico imaginando quanto bem ele faz, levando-a para as pessoas que sofrem no corpo ou na alma. A música pode curar, pode aliviar uma dor, pode nos arrebatar de um abismo.
O que achei mais incrível foi ouvi-lo descrever a sua forma de captar os sons. Parece haver um fio condutor ligando o seu coração ao saxofone e as impressões que ele capta transformam-se em sons. As imagens o inspiram e ele vê em sua mente a escala musical.
Olha para a montanha, ela se transforma em melodia. É como se ele entrasse na frequência dela. Imagine que coisa: captar a sensibilidade de algo inanimado. Outras vezes, a música vai surgindo do nada, talvez sejam imagens retidas no seu inconsciente.
Enquanto ouvia a sua explicação, eu me lembrei de que as poesias que escrevo, às vezes, se formam assim também, através de imagens que vejo, ouço. Às vezes, são transformadas em versos imediatamente, outras, ficam adormecidas e se despertam em momentos especiais.
Desde criança, a arte, em todas as suas manifestações, me atraiu. No final da adolescência, tive enfim a oportunidade de iniciar aulas de pintura e piano. Apesar de ter-me saído bem nessas aulas, faltava alguma coisa. As imagens que surgiam em minha mente, com riqueza de detalhes, com nuances de tons maravilhosos faziam pluft como uma bolinha de sabão quando ia pintá-las. Apagavam-se todas. Eu não conseguia trazê-las para a tela a minha frente. Se fechava os olhos elas ficavam retidas e, foi por isso, que experimentei pintar com as pálpebras assim, mas quando ia conferir estava aquela bagunça. Não havia sequer uma pincelada aproveitável. Fui perdendo a motivação, pois não queria copiar os modelos existentes.
A música exigia estudos freqüentes para que as partituras não fossem esquecidas. Além disso, eu também não sabia tirar no piano as melodias que eu criava.
Mas com as palavras era bem diferente. Esse transporte era realizado com a maior tranquilidade, nem precisava buscá-las. Elas surgiam em grande quantidade e eu fazia delas o que bem quisesse.
O abstrato podia ser registrado de uma forma tão clara como se fosse fotografado pela câmera digital mais evoluída. Foi por causa disso, que me dediquei com exclusividade à escrita. As outras coisas, vou deixá-las para a terceira idade, se acaso um dia chegar lá.
Talvez tente novamente realizar esse transporte e, tendo a serenidade como companheira da velhice, talvez o consiga.
Urbano consegue fazer isso brincando. É o dom que recebeu de Deus. Só isso explica a sua facilidade em captar instantaneamente os sons no ar, nas nuvens, no espaço, no universo.
O seu saxofone fica inteiramente sob seu comando e os dois parecem um só. É tanta harmonia! Tanta cumplicidade! Que coisa mais linda!
De repente, a apresentadora se despede. Meu Deus, não pode ser!
Volto-me para Paulo e pergunto: “Já acabou?!” Paulo diz: “Sim. São dois blocos!” Falei pesarosa: “Não é possível, passou tão rápido!”
Fiquei por alguns momentos como uma criança que prova um pedaço delicioso de uma torta e depois a retiram de sua frente. Mas o sabor daquele momento ainda perdura e é sentindo-o, que escrevi esse texto."
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