segunda-feira, 29 de julho de 2013

O tesouro de Dominguinhos

Estava duro de botar fogo no sanfoneiro. Anastácia jogava álcool e nada. Acendia um fósforo após o outro e nada. Quando a paciência acabou, ela decidiu usar a peixeira. 

O homem que havia partido com outra mulher não ficaria mais pregado em sua parede, olhando para ela com aquele sorriso grande como se nada tivesse acontecido. 

Só que fogo nenhum vencia o pôster. Anastácia pegou então o facão e esfacelou a foto de Dominguinhos. Ainda tomada pela fúria das mulheres traídas, buscou uma caixa em que guardava 150 fitas cassete gravadas com melodias inéditas do marido e cometeu o crime que ela mesma julgaria inafiançável, mais de 30 anos depois: "Eu queimei tudo, vou morrer com essa culpa".

Anastácia queimou quase tudo. Aos 73 anos, vivendo em uma casa na Vila Guarani, em São Paulo, a maior parceira de Dominguinhos, autora de Eu Só Quero um Xodó e outras 212 composições feitas com o sanfoneiro, saberia mais tarde que havia ficado com dez melodias do ex-marido. 

Algumas delas seriam letradas por Anastácia na época em que Domingos partiu com Guadalupe, a cantora com quem se casaria mais tarde e teria uma filha. Agora, Anastácia quer revelar suas relíquias enquanto há tempo. "Guardo muitas das melodias destas canções na memória. Não sei o que pode acontecer comigo amanhã, por isso quero gravá-las", diz.

Pelos 11 anos em que marido e mulher foram letra e música, a dupla seguiu uma dinâmica imposta pela natureza. 

Domingos acordava cedo, preparava o café, tomava um banho e se sentava com a sanfona no peito. Ligava o gravador e registrava suas ideias. Depois, Anastácia inspirava-se nas melodias e criava as letras. Dominguinhos nunca compôs versos, apenas melodias. 
Estadão

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